Saciada, aninhada em um abraço aconchegante, ela escuta pulsar o coração dentro do peito másculo, sente a temperatura morna na nudez do corpo que conhece por inteiro, e aspira seu cheiro, como se tentasse impregnar sua essência para sempre na memória. Ela sabe que em breve virá o adeus... momentos como aqueles se tornarão apenas um sonho na lembrança...
Lamenta o desencontro no tempo entre os dois, o muito que deixarão de partilhar de seus mundos - que juntos - têm o poder de cessar o tempo e dar ao presente a magia de uma rara intensidade.
Mas sente que precisa deixá-lo ir, que não deve interferir. Sabe que esse (re)encontro foi somente uma pausa em sua estação, para jornadas que o aguardam distantes.
Sente também que ele precisa expandir a energia sagrada do seu animal de poder, as virtudes do lobo que carrega em si: do professor que aprende e compartilha, da independência, do espírito de matilha, da lealdade, do amor...E reflete que o espaço preferido de quem possui o lobo como guardião, é na solidão de um local onde possa sintonizar o próprio poder, a sabedoria interior para compreender o mistério, o sentido da vida...e ensinar...
Um espaço onde ela não caberá, não estará na matilha que desfrutará dessa energia, porque seu homem-lobo desaparecerá antes da próxima lua...
E desafia a coragem dela, propõe que confronte seus medos, sua superação. Tenta entusiasmá-la, diz que será bom, algo único para os dois...
Ele não se da conta do significado oculto que ela vê naquela inusitada aventura :
ao compartilhar seu próprio lugar de poder, o homem-lobo firmava um elo espiritual entre os dois, mas seria o instrumento que a conduziria à uma dolorosa passagem, à travessia pela "Noite Escura da alma". Um rito iniciático de magia milenar - de confronto com medos e superação - usado também por sábias tribos nativas - seus ancestrais...
"Aparecerá ainda... O Lobo diante de ti... Toma-o como irmão... Porque o Lobo conhece... A ordem das florestas... Ele te conduzirá... Com os olhos de fogo... Na noite das florestas de tua alma...Pela estrada plana... Até o Paraíso."
Desde que se conheceram, ela intuiu que esse indio-lobo querido lhe traria doces e amargos ensinamentos. Como este, foram vários os sinais que ela viu e pouco lhe contou...
Se Deus o escolheu para submetê-la à noite escura, só lhe restava ir...
Passava da meia noite quando adentraram a mata que brilhava sob a lua cheia.
O homem-lobo saltava e uivava feliz, marcando seu território em volta daquela que escolhera para partilhá-lo... Até que a deixou sozinha para que "confrontasse seus medos".
Mas ali ela nada temia e calmamente sentou-se em uma pequena clareira, sentindo-se conectada com uma doce harmonia ao redor.
Passou a se observar interiormente...intuiu que os medos viriam depois, porque sua iniciação na noite escura apenas começava naquele lugar. E notava um plácido sentimento de aceitação ao pressentir dias difíceis se anunciando, onde confrontaria brumas interiores, momentos de solidão, de dolorosa apatia, fragilidade, até do risco da falta de fé. Tudo em nome da equanimidade, superação de ilusões, da comunhão divina e........evolução - a maior finalidade na vida.
A guerreira interior a incentivava mostrando que a lua "escolhida" brilhava no céu e levaria luz ao seu coração, que a duração da batalha só dependeria da força de seus apegos...do desejo de desbravar o novo...Superação.
Se fosse vitoriosa, viriam as transformações trazendo o brilho das alegrias, com um novo ciclo.
E um de seus desafios incluía desapegar-se daquele homem, que lhe declarava amor, a escolhera para aquele momento mágico, mas de quem em breve se despediria.... Ele não estaria ao seu lado na difícil travessia...
Focou-se no mais importante: naquela noite ele estava perto para fortalece-la com as virtudes do totem do lobo - a sabedoria, o conhecimento sagrado, a perseverança, o espírito de união, do desapego, de liberdade, da cura e sobretudo do AMOR que haveria de guiá-la nas brumas...
Sentia uma luz subir em sua coluna, vibrar na pele, formigar pela cabeça, quando surpresa, avistou uma tênue presença luminosa flutuando sob as árvores como a consolá-la e protege-la...Mais um sinal, pois não costumava ter "visões".
Ela não temia o que estava por vir...Seu coração, abençoado pela Mãe Natureza, estava sereno.
Ela fitava seu rosto belo, marcado por dois olhos grandes que sentiu reconhecer desde o primeiro encontro, enquanto admitia que confiava nele, não só para embrenhá-la em uma mata distante na noite, como também para se deixar conduzir pelos mistérios do invisível.
Por um instante, se perguntou se ali não estavam duas metades perdidas recebendo a oferta da felicidade, a oportunidade de ambos mudarem suas escolhas, seus caminhos e decidirem pelos riscos do amor.
Concluiu que não. Se fosse assim haveriam renúncias. O verdadeiro amor não propõe renúncias, nem renuncia a nada porque é natural, espontâneo .... transcendente. É livre e só é feliz se flui em liberdade.
E ele estava ali... livre... alegre como um menino travesso, rindo e uivando, a lhe sugerir que invocasse seu animal de poder, que dançassem e cantassem. Ele não sabia que ela não estava feliz para celebrar, embora tivesse a alma em paz...Não sabia que silenciosamente já invocara seus protetores, nem o que se passava dentro dela, ou como ela interpretava os sinais, se questionando inclusive o que poderiam significar para a vida, o aprendizado e o crescimento espiritual do seu índio-lobo...
Enfrentaria ele também, sua própria noite escura?
Ou iniciava apenas a celebração de dias felizes por vir?
Não lhe perguntou nada, preferiu calar...Mas orou a Deus para que os "sussurros" que ele ouvia fossem sábios e o guiassem...
Ficaram mais algum tempo namorando sob a luz da lua e partiram, com a muda promessa dela ao se despedir da mata, que um dia voltará àquele portal iniciático para celebrar a vitória, o amor, a comunhão e agradecer...
(Mônica-Centaura
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